Ocupação dos espaços públicos ainda é desafio para os produtores da cidade
- Érica Pierre
- 25 de jun. de 2022
- 6 min de leitura
Matéria produzida para o Jornal Esquina da faculdade Uniceub em 2015:
Novos movimentos de ocupação dos espaços públicos para melhorar a qualidade de vida nas grandes cidades ganham força no mundo todo, mas dificuldades burocráticas e financeiras atrasam o avanço deles em Brasília Em um ponto da história ocidental, durante a Era Industrial, as pessoas passaram a sair do campo em busca de oportunidades na área urbana, fazendo com que as cidades crescessem cada vez mais e ficassem superlotadas, o que resultou em uma mudança na arquitetura para se adaptar a essa nova realidade. De lá para cá o mundo moderno foi criando novas situações e exigindo de tempos em tempos que o planejamento nas grandes cidades criasse novas ideias para melhorar a qualidade de vida. Em 1960, como descreve o arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, os carros passaram a tomar conta e cada vez mais era necessário construir cidades com rapidez, ponto no qual aconteceu uma mudança de paradigma e os arquitetos passaram a se preocupar com a vista de cima, o que ele chama de “síndrome de Brasília”. Elaborando cidades de fora para dentro, pensando antes na larga escala (prédios) e por último na menor escala (as pessoas). Com o passar dos anos, problemas de superlotação nas grandes cidades começaram a se tornar mais evidentes, engarrafamentos quilométricos, metrôs e ônibus com pessoas exprimidas umas nas outras. A dificuldade de deslocamento e a relação dos cidadãos com espaço urbano tornaram-se problemas que cidades como Nova Iorque e São Paulo buscam contornar e que, segundo Jan, são consequências dessa forma de planejar cidades. Cada vez mais esses grandes centros urbanos se preocupam em criar ciclovias, incentivar o uso de bicicletas, proteger os ciclistas, facilitar a vida do pedestre e até fechar ruas nos centros para que carros não possam passar. Junto a essa tendência surgiram movimentos buscando ocupar e transformar espaços públicos mal utilizados na cidade, levando vida a eles. Em Brasília, festas como a Mimosa e PicNik buscam aprimorar a convivência urbana unindo pessoas diferentes em locais abertos. A cidade-avião, cheia de espaços amplos e arborizados tem lugares de sobra para ser berço desses eventos, incluindo o Parque da Cidade. Mas dificuldades como apoio financeiro, burocracia dos órgãos públicos, lobby e problemas com infraestrutura ainda atrasam essa mudança na forma de viver a cidade, que ganha cada vez mais força no resto do mundo. Sandro Farias, idealizador e dono do evento Mimosa, comenta que a festa surgiu inicialmente da ideia de reunir os amigos num sábado à tarde para ouvir boas músicas e tomar o drinque de mesmo nome. Hoje o evento já se tornou bastante conhecido na capital e já até migrou para outras cidades. Uma das edições da festa aconteceu ano passado no castelinho do Parque da Cidade. Sandro conta que a então administradora buscava levar eventos mais descolados para o parque e fez o convite de organizar uma Mimosa por lá, oferecendo inclusive apoio de estrutura como tenda, gerador e banheiros químicos. Ao escolher um lugar, Sandro diz que considerou o castelinho, pois julgou que precisava de uma política de revitalização. “Muitos estranharam quando divulguei que faria a Mimosa no Castelinho. O local estava visto como ponto de prostituição, muita sujeira, ponto de drogas, etc. Eu pedi para que a Administração do Parque limpasse o local e desse uma mão de pintura. O restante foi trabalho nosso. Decoramos o local, fizemos a ocupação do espaço de forma a distribuir expositores de quitutes e de arte, sinalizamos e contratamos um serviço de sonorização e iluminação do local que transformou o espaço e foi, realmente, especial”, relata Sandro. O evento aconteceu em agosto do ano passado, recebeu 2,5 mil pessoas e foi considerado um sucesso. Guilherme Henrique Santos, brasiliense de 24 anos estudante de terapia ocupacional, conta que apesar de sempre ter visto o castelinho como um lugar com potencial, tinha em mente também a forma negativa como ele era utilizado pelas pessoas e que a Mimosa ajudou a mudar isso: “eu sempre achei o espaço muito legal, eu sempre me imaginei fazendo uma festa lá, então foi quase uma realização pessoal. (...) Porque quando eu era criança eu andava por lá e via camisinhas”. Dificuldades "Brasília é um lugar com muito potencial, mas ainda cheio de ambientes mal explorados", diz Sandro, que acredita que eventos assim são importantes para a auto estima da cidade, que começa agora a redescobrir sua vocação, “Até o Parque da Cidade ainda não foi totalmente explorado, embora tenha havido um boom de projetos de ocupação lá. Mas há alguns espaços que ainda estão fora do foco. Só não vou dizer aqui, porque um dos próximos locais que pretendo fazer uma edição da Mimosa ainda é inédito e não posso contar”. Dentre as dificuldades para que eventos como esse aconteçam com mais frequência, Sandro fala da burocracia excessiva e da preferência que dão a alguns produtores por conta de lobby feito com os gestores públicos, “Como não fazemos esse tipo de política, acabamos ficando sem incentivo para estruturar um evento público e ao ar livre, que sai muito caro”. As questões da burocracia e do alto custo também foram listadas como dificuldades por Miguel Galvão, organizador do Pic Nik, evento brasiliense que surgiu em Abril de 2012 e também busca reutilizar espaços públicos. O evento começou com a ideia de criar uma plataforma de encontro que valorizasse a experiência real em detrimento da virtual e que incentivasse a sobriedade. A primeira edição foi realizada através de um convite da administração de Brasília para ocupar o calçadão da Asa Norte, na época recentemente inaugurado e que era pouco conhecido pela população, já começava a ser usado como ponto de drogas e prostituição. Em três anos o Pic Nik já realizou diversas edições não apenas no Calçadão como também no CCBB e no Parque da Cidade. Miguel cita que as preocupações de quem faz o evento acontecer são deixar o lugar melhor do que encontraram e fazer com que a população crie um vínculo positivo com o espaço. Ele também conta que a conscientização das pessoas também é um desafio para que esses eventos sejam mais incentivados, problemas como lixo, barulho, depredação, em resumo o mau uso que as pessoas fazem do ambiente e que reflete como a relação da população com a cidade precisa ser melhor trabalhada. O Pic Nik teve duas de suas edições no Parque da Cidade e com relação a viabilidade desses eventos por lá, Miguel diz: “O Parque da Cidade é o Pulmão da Cidade. Mesmo com quase nada de recursos, concentra variedade enorme de eventos e ações no seu cotidiano. É o momento de se implementar caminhos alternativos para se fazer melhorias no espaço e no suporte de sua conservação: parcerias público-privadas com marcas de pequeno e médio porte locais poderiam ser muito produtivas. Em vez de criar dificuldades, o poder público deveria concentrar esforços no sentido de criar mecanismos para tornar isso possível“. Administração Esse “mesmo com quase nada de recursos” pode chamar atenção e quem explica é a gerente de comercialização do Parque da Cidade, Moniele Cunha de Oliveira, de 25 anos. O Parque não tem uma verba pública destinada a ele e funciona principalmente com doações da população ou de empresas privadas. Quando acontece algum evento em alguma área do parque que arrecada dinheiro, essa quantia primeiro é passada para a Administração de Brasília, depois para a Secretaria de Fazenda, em seguida para a Secretaria de Turismo e só então o que sobra chega na Administração do Parque, que antes pertencia a Administração de Brasília e esse ano tornou-se uma subsecretaria de turismo. Além da dificuldade financeira, existe a descontinuidade de planejamento entre as diferentes Administrações. Moniele conta que de quatro em quatro anos todos os funcionários mudam e os arquivos antigos não ficam guardados por lá e sim na Administração de Brasília. Ou seja, de quatro em quatro anos tudo começa do zero e projetos que deram certo não são continuados. Segundo Moniele, a atual Administração tem projetos para melhorar a circulação dentro do Parque, espalhar mais as pessoas por todo o espaço que ele oferece e diminuir a grande concentração nos estacionamentos dez, onze, doze e treze. Mas com o pouco recurso financeiro e com o prazo de quatro anos para realizar esse e outros projetos, o cenário não é muito otimista. Soluções Mesmo com esses eventos diferentes fazendo tanto sucesso por Brasília, não apenas a Mimosa e o Pic Nik, mas o Chefe nos Eixos, Balada Em Tempos de Crise, entre outros, fazendo tanto sucesso entre os Brasilienses, a estudante de arquitetura, Júlia Sollero, de 24 anos, diz que é preciso pensar também em outras soluções. “Hoje em dia o que tem são grandes eventos que tem levado as pessoas para a rua e que ficam superlotados e existe uma intenção muito clara das pessoas que elas querem ocupar, elas querem estar na rua, elas querem ir ao encontro de outras pessoas, mas é sempre assim, eventos grandes (...), mas tem que ser uma coisa mais natural, você se deslocar na cidade tem que ser uma coisa mais natural”, fala Júlia. A estudante está trabalhando num projeto para a faculdade chamado de “Manual de Ocupação de Brasília” com o objetivo de trabalhar as melhores formas de utilizar as grandes áreas verdes da cidade. Ela cita as hortas urbanas que começam a surgir nos prédios residenciais como um exemplo de uma utilização dos espaços de forma mais cotidiana. E relata como uma dificuldade para otimizar o uso do Parque da Cidade o acesso ao pedestre. Júlia lembra que dois novos acessos para o Parque foram criados sem calçadas, priorizando sempre o acesso de carro.







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